

Cinema brasileiro busca novos horizontes no Mercado de Cinema de Cannes
O cinema brasileiro é o convidado de honra do Mercado do Cinema de Cannes, um novo impulso, que se soma aos prêmios deste ano em Hollywood e Berlim, após anos de vaivéns políticos que afetaram o setor.
A escolha do Brasil como convidado especial no maior mercado cinematográfico do mundo, celebrado no mesmo palácio de congressos onde é realizado o festival (de 13 a 24 de maio), também faz parte das comemorações dos 200 anos das relações diplomáticas franco-brasileiras.
O mercado de Cannes permite estabelecer relações diretas com distribuidores e produtores do mundo inteiro. O país convidado de honra também é tema de mesas redondas e apresentações especiais.
Segundo dados oficiais, o setor audiovisual brasileiro é uma indústria de 5 bilhões de dólares anuais (R$ 28 bilhões, na cotação atual). Dos 728 filmes que estrearam no país em 2023, 273 foram produções nacionais, de acordo com dados divulgados antes do evento em Cannes.
"Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, foi premiado em março com o Oscar de melhor filme internacional, enquanto "O Último Azul", de Gabriel Mascaro, tinha sido contemplado duas semanas antes com o Urso de Prata em Berlim.
No entanto, o setor viveu momentos conturbados, com mudanças no modelo de financiamento, a crise da pandemia de covid-19, e os cortes no orçamento cultural durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2023).
"São ciclos, como se você precisasse parar e recomeçar a cada vez. E isso é muito complicado", explica Karim Aïnouz, um dos mais renomados cineastas brasileiros da atualidade, em entrevista com a AFP no recente Festival Cinelatino de Toulouse.
"Esta é uma das razões pelas quais saí do Brasil para me instalar na Europa", admite o diretor, que atualmente mora em Berlim.
- O motor das telenovelas -
"As telenovelas seguem sendo" o verdadeiro motor do setor audiovisual no Brasil, afirma Sylvie Debs, professora universitária em Estrasburgo e especialista em cinema brasileiro.
As exportações deste gênero televisivo para o mundo inteiro permitem financiar outro tipo de projetos. As telenovelas "são muito rentáveis", explica Debs.
Em seguida vem a grande mudança que representou, em 1991, a lei Rouanet, "que permite buscar as empresas para que apoiem o seu projeto", explica.
A lei permitiu incentivos fiscais ao setor, mas os mecanismos de controle foram reformados durante o mandato de Bolsonaro, que travou uma verdadeira guerra cultural contra o que considerava uma inclinação do setor para a esquerda.
As ajudas públicas foram retomadas depois que Luiz Inácio Lula da Silva voltou à Presidência, em 2023, mas o cinema brasileiro, premiado e elogiado no exterior, segue dependendo em grande medida da iniciativa e das conexões internacionais de seus principais protagonistas.
Como Walter Salles, que ajudou a produzir "Madame Satã" (2002), o primeiro sucesso de Aïnouz.
Duas décadas depois, Salles e os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne (duas vezes premiados em Cannes) colaboraram na produção do filme "Manas", da brasileira Marianna Brennand.
Este ano, Brennand receberá em Cannes o prêmio Women in Motion para estrelas emergentes do cinema.
Kleber Mendonça Filho, crítico de cinema no início da carreira, contemplado com o Prêmio do Júri em 2019 em Cannes por "Bacurau", concorre este ano à Palma de Ouro com "O Agente Secreto".
As coproduções com empresas europeias são habituais para diretores que disputam em mostras como Cannes, Veneza e Berlim. E há outros problemas pelo caminho.
"No Brasil, temos um grande problema e são os roteiros porque não há formação", explica Aïnouz, que fundou uma escola em Fortaleza.
Outra dificuldade é sair do círculo dos curta-metragens, necessários para formar cineastas. "A cena do curta-metragem é muito importante, mas é como um gueto", dizia Mendonça Filho em seus primórdios, ao participar do festival de cinema de Los Angeles em 2012.
L.Stewart--PI